quinta-feira, 13 de agosto de 2009

carta #4

Meu caro L,

Ontem apenas escrevi rapidamente para você pois quando ia contar as novidades fui comprar cigarros e como a barraquinha que fica em frente à minha casa estava fechada tive que andar uns quarteirões até depois do parque 13 de maio. Foi durante esse percurso que o Ministério do Controle Demográfico me pegou.

Não sei se você tem lido as notícias recentes sobre o escândalo no senado mas, resumindo, trata-se de uma conta secreta, não contabilizada publicamente, de modo a financiar gastos com o dinheiro público sem que ninguém saiba. E o Ministério está na lista desses financiamentos e só depois dessa descoberta esse obscuro departamento veio à tona. A função dele, de ação bastante questionável, é eliminar cidadãos para que a densidade demográfica do país estabilize. Eles fazem isso muito bem e discretamente: Tampas de bueiro são arrancadas, armadilhas postas em becos escuros, tubos de sucção montados em helicópteros ajudam a recolher os pedestres desavisados e, nas grandes capitais, sabe-se até de casos de sumiço de automóveis engolidos por alçapões instalados nas auto-estradas.

Pois bem, lá ia eu andando tranqüilo, assobiando “O passo do elefantinho”, inocente sem saber o que me esperava quando um círculo de asfalto cedeu, jogando-me num túnel escuro, em espiral aparentemente sem fim. Girei à minha revelia durante várias horas até ser expelido no fundo do mar. Não estava tão escuro graças a lua cheia que brilhava no céu e assim pude apreciar toda a beleza daquele estranho reino.

Eu não sabia onde estava, se no Pacífico ou Atlântico, então tinha que perguntar a alguém. Nesse momento vi uma lagosta que parecia muito simpática (além de deliciosa) e pergunte-lhe onde estávamos. As lagostas são seres polidos, cordiais, muito educados e antes de começar qualquer conversação fazem questão de cumprimentar seus interlocutores. O problema é que, sendo um ser primitivo, seu cérebro não consegue armazenar mais que dois segundos de memória e nossa conversa se resumia a um “tudo bem, prazer em conhecê-lo, meu nome é Batista, o lagosta e o seu?” antes mesmo que eu pudesse responder, ele já havia esquecido tudo e recomeçava o “tudo bem, prazer em conhecê-lo, meu nome é Batista, o lagosta e o seu?” Depois de várias vezes repetindo a mesma coisa, desisti e vi num enorme bacalhau que nadava elegantemente outra opção de ajuda. Logo me arrependeria... O bacalhau tinha um ar libidinoso e despudorado, fazia bico com os lábios, piscava os olhos revirando-os, o que me pareceu demasiadamente insinuante. Cheio de intimidades, me abordou com um “o que um fofinho como vofê está fafendo num lugar como êfe?” Recuei assustado com tamanha audácia e entreguei-me a minha sorte. Já estava conformado em morar no fundo do mar quando um submarino uqe trabalaha no resgate da caixa-preta do air-bus que caiu no litoral passou. Dei com a mão e eles gentilmente me deram carona. Só consegui voltar para casa hoje, moído, molhado e decepcionado com a lubricidade dos bacalhaus.

Para compensar, planejo hoje beber umas cervejas, comer uns petiscos (menos bolinho de bacalhau) e me dar um pequeno prazer merecido depois desse incidente. Vamos nessa?

grande abraço!
h

2 comentários:

  1. E apoi... engraçado. Ingenuamente pensei que vc estava mais perto. A viagem foi ruim, mas a experiência parece ter sifo (digo, sido) boa.

    hoje é o aniversário de ap portella.

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  2. Tome mais cuidado com os buracos neo-Malthusianos dessa cidade!
    abraço!

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